Olhar Triste
Dizem que o meu ser traz a tristeza no meu olhar,
Olhar que se parece com uma tarde nublada, céu escoro, ou uma praia sem mar...
Olhos tristes como o vento que aos poucos vem de mansinho, com um suave sopro de lamento...
Lamento esse que se esconde em sítio que já mais alguém virá, e que transborda sobre as janelas da minha alma...
Olhos tristes que não enganam o desconhecido...
Quem passa, seja de passagem ou para ficar reconhece logo esse triste sublime que esse olhar triste tenta esconder...
Tristes como um pássaro que o seu ninho cheio de ovinhos perdeu
Perdeu por não conseguir salvá-los com as asas que Deus lhe deu...
Diz-se que a tristeza ensina e mostra coisas, que por outro lado não conseguiremos ver. Afinal, nós só conseguimos ver as estrelas, se estivermos no escuro.
Os olhos são as janelas da nossa alma, o que a alma não consegue falar, transborda pelo olhar.
Dizem: os teus olhos são tristes...
Se o são, já sei qual a razão...
Eles refletem tristeza...
Perdida Na Noite
Procuro-te em todos os lugares sombrios, onde a tua mente esconde-se, mas a minha ousa avançar...
Sem dó nem piedade, transformas-te na noite, avanças, sugas-me de uma forma como se fosses um vampiro que soga o sangue à sua presa.
Noites da minha vida, o inverso da luz, lugar provável onde reside a alma...
Entras pela janela dos meus olhos, deslizas pelos meus sentidos, e eu muitas vezes acabo por me entregar a ti desesperada, dramática e despedaçada, a cada vinda do teu lado obscuro acaba por me obrigar a viajar no tempo, tempo que volta ao passado e me deixa desolada...
Nada, além da estrutura fina dos teus males espalhados pelas pontas do teu véu presos nos meus olhos de mágoa, nada, nada mais, mesmo que permaneças em carne viva emaranhado no que resta dos meus sentidos, ainda que sejas verdade, ainda que sejas caminho desencontrado, agora é tarde.
Tento em vão interpretar os dias, os meses e ate mesmo as estações do ano, mas vejo que os meus pés acabaram por ganhar raízes sobre a terra inculta e, nem a chuva de um temporal que me estilhaça a face, me consegue libertar...
Estou vergada sobre o meu corpo cansado, e só sei que apenas deste silêncio das águas das chuvas, dia após dia, todos os dias, quando amanheço observo o que resta do meu corpo, que, contra todas as regras, ainda se evidencia ainda vivo...
Eu viva, e já morta pelo cansaço na nascente da esperança...
Por isso não falo, nem tão pouco me manifesto, falta-me e sobra-me esta necessidade de perspetiva da vida sobre outros ângulos...
Falta-me onde me sobra a consciência da minha mortalidade, a certeza de que, sobre a dor, dela apenas sei da sua exigência imensa imperativa em ser sentida, e sinto-a, e dou-lhe espaço, dou-lhe todo o meu entendimento por momentos, mas ela veste-me o olhar de uma lucidez ácida de verdade, devolvendo-me um ponto pérola a todo o tempo em que me estás presente e já no passado...
Num fio de voz, antes que voltes, desarrumo o que resta do que chamei casa e saio...
Por vezes nem as verdades repetidas, vidros estilhaçados na evidência da luz, nem a certeza de uma alma ferida à saída de um túnel me impedem de me salgar nas minhas próprias lágrimas...
Por vezes de tanta luz, ainda o teu rosto no meu rosto a sombra, a salga, nem o silencio dos gritos sobre a pedra da amargura, a dignidade do inocente murmuram mais alto, mais firme, mais forte, que aquilo que me derrama na alma e me consome...
E nós sabemos quem somos...
Humanos, apenas só isso...
Ainda assim, no sabor de um nome que me flagela a língua, perdida de mim mesma, invoco os Deuses, hipoteco a mansidão das horas e, de tão perdida, náufrago em mar-chão...
Para meu conforto, medito na minha imagem refletida na água, chamo-me de fraca e noite dentro, choro a dor irremediável dos meus atos...
Perdida Na Noite
Os meus olhos noite e dia choram lágrimas sem fim
Porque esgoto-me gemendo;
Todas as noites banho de pranto a minha cama,
Com lágrimas inundo o meu leito.
Pois, de amargura meus olhos se turvam,
Esmorecem por causa de minhas dores.
Os meus olhos noite e dia choram lágrimas sem fim
Porque vivo atribulada,
De tristeza definham meus olhos,
Minha alma e minhas entranhas.
Pois minha vida se consome em amargura e desgosto,
Meus anos em gemidos.
Minhas forças se esgotam na aflição,
Mirraram-se os meus ossos.
Os meus olhos noite e dia choram lágrimas sem fim,
Porque tornei-me objeto de opróbrio para todos os inimigos e amigos,
Ludíbrio dos vizinhos e pavor dos conhecimentos.
Pois, eis que minha vida se consome em tristeza.
Os meus olhos noite e dia choram lágrimas sem fim.
Porque fogem de mim os que me vêm na rua.
Pois, fui esquecida dos corações como uma morta,
Fui rejeitada como um vaso partido.
Fui caluniada e motivo de chacota.
Destarte, tramam contra a minha vida.
Os meus olhos noite e dia choram lágrimas sem fim.
Porque são fétidas e purulentas as chagas que a minha loucura me causou.
Pois, estou abatida, extremamente recurvada,
todo o dia ando cheia de tristeza.
Inteiramente inflamados os meus rins; não há parte sã em minha carne.
Os meus olhos noite e dia choram lágrimas sem fim.
Pois, ao extremo enfraquecido e alquebrado,
agitado o coração,
Lanço gritos lancinantes.
Porque, Senhor, diante de vós estão todos os meus desejos,
E meu gemido não vos é oculto.
Os meus olhos noite e dia choram lágrimas sem fim.
Pois, palpita-me o coração,
Abandonam-me as forças,
E me falta a própria luz dos olhos.
Os meus olhos noite e dia choram lágrimas sem fim.
Pois, sou como um surdo: não ouço;
sou como um mudo: não abre os lábios.
Porque fiz-me como uma mulher que não ouve, e que não tem na boca réplicas a dar.
Os meus olhos noite e dia choram lágrimas sem fim.
Porque eu dizia: Não verei mais o Senhor na terra dos viventes.
Não verei mais a luz entre os habitantes do mundo.
Pois, arrancam as estacas de meu abrigo,
arrebatam-me como uma tenda de pastores.
Como um tecelão, enrolam a teia de minha vida, depois cortam-lhe o laço.
Os meus olhos noite e dia choram lágrimas sem fim.
Porque, dia e noite estou desamparada, e grito até o amanhecer.
Como uma leoa, quebram-me todos os ossos.
Como a andorinha, dou gritos agudos e gemo como a pomba.
Meus olhos se cansam de olhar para o alto.
Os meus olhos, noite e dia choram lágrimas sem fim.
Pois, Senhor, estou em agonia, socorrei-me.
O tempo que me resta eu o arrasto, vivendo em amargura.
Restituí-me a saúde, fazei-me reviver.